Mas não queria prender-se porque, então, seria confessar a inutilidade do que vivera. Que ganhara em fazer tão largo rodeio para, afinal, vir dar ao caminho por onde seguiam aqueles que resolutamente quisera deixar? «Queriam-me casado, fútil e tributável?», perguntara o Fernando Pessoa. «É isto o que a vida quer de toda a gente?», perguntava Abel.
Chamou-me pessimista – prosseguiu Abel – e acusou-me de ajudar, com o meu pessimismo, aqueles que querem o desamor entre os homens. Não lhe negarei razão. Mas note que a sua atitude, meramente passiva como é, não os ajuda menos, até porque, quase sempre, esses a quem se refere usam a linguagem do amor. As mesmas palavras, as suas e as deles, anunciam ou escondem objectivos diferentes.
Nem tudo o que parece, é, nem tudo o que é, o parece ser. Mas entre o ser e o parecer há sempre um ponto de entendimento, como se ser e parecer fossem dois planos inclinados que convergem e se unem. Há um declive, a possibilidade de escorregar nele, e, assim acontecendo, chega-se ao ponto em que, ao mesmo tempo, se contacta com o ser e o parecer.
Não tenha medo. Só quero dizer que aquilo que cada um de nós tiver de ser na vida, não o será pelas palavras que ouve nem pelos conselhos que recebe. Teremos de receber na própria carne a cicatriz que nos transforma em verdadeiros homens. Depois, é agir...
Falecia-lhe a coragem. Quase a passar a soleira da porta para nunca mais voltar, alguma coisa o prendia. Da sua casa fugira o amor. Não odiava a mulher, mas estava fatigado de infelicidade. Tudo tem um limite: pode suportar-se a infelicidade até aqui, mas não até ali. E, no entanto, não partia.
Seguindo no ar o movimento envolvente do fumo que subia, Abel ouvia as histórias que lhe contavam a cómoda e a mesa, as cadeiras e o espelho. E também as cortinas da janela. Não eram histórias com princípio, meio e fim, mas um fluir doce de imagens, a linguagem das formas e das cores que deixam uma impressão de paz e serenidade.
Só esta! Carmen teve vontade de chorar. Via nesse momento que estivera esperando carta de Manolo, não só dele, mas principalmente dele. E a carta não vinha. Com uma lentidão que intrigou o carteiro, fechou a porta. Que loucura, a sua! Não pensara! Não estava nos seus cinco sentidos quando escrevera ao primo! Ocupada com estes pensamentos já esquecera que tinha nas mãos a carta da mãe. Mas sentiu nos dedos, de súbito, o contacto do papel. Murmurou, em galego:– Miña nai...
Mas não saiu de casa. Fixara-se nele a ideia de que era o responsável pela recaída, porque só depois das palavras que dissera ao filho a doença se agravara. A sua presença era como uma penitência, inútil como todas as penitências e apenas compreensível porque era voluntária.
De todas as mulheres, uma só desdenhava: a sua. Justina era, para si, um ser assexuado, sem necessidades nem desejos. Quando ela, na cama, no acaso dos movimentos, lhe tocava, afastava-se com repugnância, incomodado pela sua magreza, pelos seus ossos agudos, pela pele excessivamente seca, quase pergaminhada. «Isto não é uma mulher, é uma múmia», pensava.