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Outros Cadernos de Saramago

Outros Cadernos de Saramago

Os objectivos da Fundação José Saramago, nesta data criada, estão enunciados com toda a clareza nas disposições estatutárias pelas quais deverá reger-se. Não têm, portanto, que ser repetidos aqui. Contudo, pareceu-me apropriado, na circunstância, expressar de modo pessoal umas quantas vontades (ou desejos) que em nada contradizem os referidos objectivos, antes os poderão enquadrar num todo harmonioso e familiarmente reconhecível. Não me dou como exemplo a ninguém, porém, revendo a minha vida, distingo, ora firme, ora trémula, uma linha contínua de passos que não projectei, mas que, de maneira consciente ou não tanto, me fizeram perceber que nenhuma outra poderia servir-me, ao mesmo tempo que se me ia tornando cada vez mais claro que uma das minha obrigações vitais seria servi-la eu a ela. Ter conhecido Pilar, viver ao seu lado, só viria confirmar-me que tal direcção era a correcta, tanto para o escritor como para o homem. A direcção dos grandes valores, sim, mas também a direcção das pequenas e comuns acções que deles decorrem no quotidiano e que lhes darão a melhor validez das experiências adquiridas e das aprendizagens que não cessam. O paradoxo da existência humana está em morrer-se em cada dia um pouco mais, mas que esse dia é, também, uma herança de vida legada ao futuro, que o futuro, longo ou breve seja ele, deverá assumir e fazer frutificar. Nem por vocação, nem por opção nasceu a Fundação José Saramago para contemplar o umbigo do autor.

Sendo assim, entre a vontade e o desejo, eis as minhas propostas:

a ) Que a Fundação José Saramago assuma, nas suas actividades, como norma de conduta, tanto na letra como no espírito, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em Nova Iorque no dia 10 de Dezembro de 1948.

b) Que todas as acções da Fundação José Saramago sejam orientadas à luz deste documento que, embora longe da perfeição, é, ainda assim, para quem se decidir a aplicá-lo nas diversas práticas e necessidades da vida, como uma bússola, a qual, mesmo não sabendo traçar o caminho, sempre aponta o Norte.

c) Que à Fundação José Saramago mereçam atenção particular os problemas do meio ambiente e do aquecimento global do planeta, os quais atingiram níveis de tal gravidade que já ameaçam escapar às intervenções correctivas que começam a esboçar-se no mundo.

Bem sei que, por si só, a Fundação José Saramago não poderá resolver nenhum destes problemas, mas deverá trabalhar como se para isso tivesse nascido.

Como se vê, não vos peço muito, peço-vos tudo.

Lisboa, 29 de Junho de 2007.»

José Saramago
21 Jun, 2011

O papel do leitor

Para mim, o leitor dever ter um papel que vá para além de interpretar o sentido das palavras. O leitor deve colocar a sua música, interpretar a partitura do texto de um modo muscular, de acordo com a sua respiração e o seu próprio ritmo.La Vanguardia, Barcelona, Buenos Aires, 10 de Dezembro de 2008In José Saramago nas Suas Palavras
14 Jun, 2011

Catorze de Junho

Cerremos esta porta.Devagar, devagar, as roupas caiamComo de si mesmos se despiam deuses,E nós o somos, por tão humanos sermos.É quanto nos foi dado: nada.Não digamos palavras, suspiremos apenasPorque o tempo nos olha.Alguém terá criado antes de ti o sol,E a lua, e o cometa, o negro espaço,As estrelas infinitas.Se juntos, que faremos? O mundo seja,Como um barco no mar, ou pão na mesa,Ou rumoroso leito.Não se afastou o tempo. Assiste e quer.É já pergunta o seu olhar agudoÀ primeira palavra que dizemos:Tudo.In Poesía completa, Alfaguara, pp. 636-637

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