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Outros Cadernos de Saramago

Outros Cadernos de Saramago

Acreditaria muito na força da cidadania se quisesse deixar-se convencer de que não há incompatibilidade em desenvolver económica e socialmente [um lugar] com um espírito de sustentabilidade. Que não se ponha uma pedra sem perguntar porquê e quais serão as consequências futuras.El País, Madrid, 21 de Abril de 2007In José Saramago nas Suas Palavras
26 Jul, 2011

A sabedoria

A sabedoria consiste, no fundo, em ter uma relação pacífica com o que está fora de nós, com a natureza. Para o meu avô era suficiente saber o nome das árvores, dos animais e ter uma ideia aproximada do tempo. Com 400 ou 500 palavras vivia-se. Pode ser que tenhamos de reconhecer que a sabedoria está contida nessas poucas palavras e que, quando começamos a entrar nos detalhes, tudo se diversifica. Às vezes, as palavras fazem com que nos detenhamos nelas.La Nación, Buenos Aires, 11 de Maio de 2003In José Saramago nas Suas Palavras
18 Jul, 2011

Cegueira da razão

Estamos a destruir o planeta e o egoísmo de cada geração não se preocupa em perguntar como vão viver os que vêm depois. A única coisa que importa é o triunfo de agora. É a isto que eu chamo "cegueira da razão".El Cronista, Buenos Aires, 11 de Setembro de 1998In José Saramago nas Suas Palavras
08 Jul, 2011

Regresso

O elefante gostou do que viu e fê-lo saber à companhia, embora em nenhum ponto o itinerário que escolhemos tivesse coincidido com aquele que a sua memória de elefante zelosamente guardava. Que haviam, disse, ele e os soldados de cavalaria, subido para o norte quase a pisar a linha da fronteira, por isso eram os caminhos tão ruins. Comparada com a viagem de então, esta foi um passeio: boas estradas, bons alojamentos, bons restaurantes, o próprio arquiduque, ainda que habituado aos luxos da Europa central, teria ficado surpreendido. A expedição foi para trabalhar, mas disfrutou como se andasse de férias. Até os sofridos câmaras, obrigados a carregar com equipamentos de sete quilos ao ombro, estavam encantados. O interessante é que nem os nossos amigos, nem os jornalistas conheciam os lugares que visitámos. Melhor para eles, que dali levaram muito que contar e recordar. Começámos por Constância, onde se crê que Camões viveu e teve casa, de cujas janelas terá visto mil vezes o abraço do Zêzere e do Tejo, aquele suave remanso da água na água capaz de inspirar os versos mais belos.Dali fomos para Castelo Novo para ver a Casa da Câmara, do tempo de D. Dinis, e o chafariz joanino que lhe está pacificamente encostado. Vimos também a lagariça, essa espécie de dorna ao ar livre para a pisa das uvas, cavada na rocha bruta em tempos que se acredita serem os da pré-história.Dormimos no Fundão, terra de cerejas por excelência, e na manhã seguinte ala para Belmonte onde nasceu Pedro Álvares Cabral, direitos à igreja de S. Tiago, da minha particular devoção. Ali está uma das mais comovedoras esculturas românicas que existem na face da terra, uma pietà de granito toscamente pintado, com um Cristo exangue deitado sobre os joelhos da sua mãe. Ao pé desta estátua, a célebre pietà de Miguel Ângelo que se encontra no Vaticano não passa de um suspiro maneirista. Não foi fácil arrancar o pessoal à extática contemplação em que havia caído, mas lá os conseguimos levar aliciando-os com o enigma arquitectónico de Centum Cellas, essa construção inacabada cuja problemática finalidade foi e continua e ser objecto das mais acaloradas discussões. Seria uma torre de vigia? Uma hospedaria para viajantes de passagem? Uma prisão, embora o neguem as rasgadas janelas que subsistem? Não se sabe.Saciada a fome de imagens, o destino seguinte seria Sortelha, a das muralhas ciclópicas. Ali nos caiu em cima uma trovoada como poucas, relâmpagos em rajada, trovões a condizer, chuva a cântaros e granizo que era como metralha. Não chegámos a beber o café, a corrente eléctrica sumira-se. Uma hora foi o que demorou o céu a escampar.Ainda chovia quando entrámos no autocarro, a caminho de Cidadelhe, sobre o qual não escreverei. Remeto o leitor interessado e de boa vontade para as quatro ou cinco páginas que lhe dediquei na Viagem a Portugal. Os companheiros arregalaram os olhos perante o pálio de 1707, depois foram ver a aldeia, os relevos nas portas das casas, os caixotões da igreja matriz com retratos de santos. Vinham transfigurados e felizes.Agora só faltava Castelo Rodrigo. O presidente da câmara municipal de Figueira de Castelo Rodrigo esperava-nos na ponte sobre o Côa, a pouca distância de Cidadelhe. De Castelo Rodrigo eu conservava a imagem de há trinta anos, quando lá fui pela primeira vez, uma vila velha decadente, em que as ruínas já eram só uma ruína de ruínas, como se tudo aquilo estivesse a desfazer-se em pó. Hoje vivem 140 pessoas em Castelo Rodrigo, as ruas estão limpas e transitáveis, foram recuperadas as fachadas e os interiores, e, sobretudo, desapareceu a tristeza de um fim que parecia anunciado. Há que contar com as aldeias históricas, elas estão vivas. Eis a lição desta viagem.In O Caminho de Salomão

A literatura não é um compromisso. Nunca. O compromisso, se existe, será o dessa pessoa que é o escritor. A literatura não pode ser instrumentalizada. Não se pode dizer que sirva para isto ou aquilo.El País (Suplemento El País Semanal), Madrid, 29 de Novembro de 1998In José Saramago nas Suas Palavras
04 Jul, 2011

Ilusão do passado

No passado houve a ilusão de que a literatura e a arte podiam mudar a sociedade. Não acredito. E vejo-o claramente, porque a evidência mostra que, se a arte e a literatura pudessem mudar a sociedade, as obras-primas literárias, filosóficas, musicais, pictóricas e arquitectónicas de séculos e séculos já a teriam mudado, mas não é assim.La Jornada (Suplemento La Jornada Semanal), México D.F., 8 de Março de 1998In José Saramago nas Suas Palavras