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Outros Cadernos de Saramago

Outros Cadernos de Saramago

30 Nov, 2010

Globalizar o pão

Se amanhã me disserem que vão globalizar o pão não encontrareis globalizador mais entusiasta que eu. E se me disserem - e fazem-no - que vão globalizar tudo quanto milhares de milhões de seres humanos estão necessitando para viver dignamente, então asseguro-vos que me vereis convertido num seu fanático. Mas a globalização está a acrescentar miséria à miséria, fome à fome, exploração à exploração.“Soy un relativista”, Vistazo, Guayaquil, 19 de Fevereiro de 2004In José Saramago nas Suas Palavras
29 Nov, 2010

Deixar de ser

Quando a esquerda chega ao poder, não usa as razões pelas quais lá chegou. A esquerda deixa de sê-lo muitas vezes quando chega ao poder e isso é dramático.“José Saramago: ‘La felicidad es tan sólo una invención para hacer la vida más soportable”, La Vanguardia, Barcelona, 25 de Fevereiro de 1986In José Saramago nas Suas Palavras

Ou a razão, no homem, não faz mais do que dormir e engendrar monstros, ou o homem, sendo indubitavelmente um animal entre os animais, é, também indubitavelmente, o mais irracional de todos eles. Vou-me inclinando cada vez mais para a segunda hipótese, não por ser morbidamente propenso a filósofos pessimistas, mas sim porque o espectáculo do mundo é, na minha fraca opinião, uma demonstração explícita e evidente daquilo a que chamo de irracionalidade humana.Andrés Sorel, José Saramago. Una mirada triste y lúcida, Madrid, Algaba Ediciones, 2007In José Saramago nas Suas Palavras
22 Nov, 2010

A pior das mortes

Um país como Portugal, e não é o único nesta situação, que não tem uma ideia própria de futuro para toda a colectividade, vive numa situação de total dependência. Não temos mais ideias para além das que nos dizem que devemos ter. A União Europeia dita-nos o que devemos fazer em todas as ordens da vida. Encaminhamo-nos para a pior das mortes: a morte por falta de vontade, por abdicação. Esta renúncia é também a morte da cultura. Por isso creio que um país morto, como Portugal, não pode fazer uma cultura viva.“José Saramago: ‘El mundo se está quedando ciego”, La Verdad, Murcia, 15 de Março de 1994José Saramago nas Suas Palavras

Tal dia como o de hoje nasceu José Saramago segundo o registo civil. Mas já sabemos que as actas oficiais também podem distorcer a realidade, porque a verdade verdadeira é que José Saramago nasceu no dia 16 de Novembro. De qualquer forma, temos duas datas para festejar o nascimento de um imprescindível do nosso tempo. Hoje, para além disso, cumprem-se cinco meses sobre a morte de José Saramago. Recordaremos a sua vida celebrando-a e agradecendo a sua contribuição para a literatura, para o pensamento e para o processo de humanização que devemos seguir para ser verdadeiramente humanos, o que quer dizer, para não aceitar a pobreza, o sofrimento e a ignorância a que milhares de milhões de pessoas estão submetidas neste momento. Um mundo habitado por seres autenticamente humanos não permitiria esse atropelo. A Fundação José Saramago tenta seguir esses passos e partilha com os leitores que se expressaram nestes dias, amigos de alma, um abraço solidário. Que oxalá seja fecundo.Pilar del Río

*

Nasci numa família de camponeses sem terra, em Azinhaga, uma pequena povoação situada na província do Ribatejo, na margem direita do rio Almonda, a uns cem quilómetros a nordeste de Lisboa. Meus pais chamavam-se José de Sousa e Maria da Piedade. José de Sousa teria sido também o meu nome se o funcionário do Registo Civil, por sua própria iniciativa, não lhe tivesse acrescentado a alcunha por que a família de meu pai era conhecida na aldeia: Saramago. (Cabe esclarecer que saramago é uma planta herbácea espontânea, cujas folhas, naqueles tempos, em épocas de carência, serviam como alimento na cozinha dos pobres). Só aos sete anos, quando tive de apresentar na escola primária um documento de identificação, é que se veio a saber que o meu nome completo era José de Sousa Saramago...Fui bom aluno na escola primária: na segunda classe já escrevia sem erros de ortografia, e a terceira e quarta classes foram feitas em um só ano. Transitei depois para o liceu, onde permaneci dois anos, com notas excelentes no primeiro, bastante menos boas no segundo, mas estimado por colegas e professores, ao ponto de ser eleito (tinha então 12 anos...) tesoureiro da associação académica... Entretanto, meus pais haviam chegado à conclusão de que, por falta de meios, não poderiam continuar a manter-me no liceu. A única alternativa que se apresentava seria entrar para uma escola de ensino profissional, e assim se fez: durante cinco anos aprendi o ofício de serralheiro mecânico.Mais tarde, a Biblioteca Municipal das Galveias foi a minha Universidade.José Saramago

Nasci numa família de camponeses sem terra, em Azinhaga, uma pequena povoação situada na província do Ribatejo, na margem direita do rio Almonda, a uns cem quilómetros a nordeste de Lisboa. Meus pais chamavam-se José de Sousa e Maria da Piedade. José de Sousa teria sido também o meu nome se o funcionário do Registo Civil, por sua própria iniciativa, não lhe tivesse acrescentado a alcunha por que a família de meu pai era conhecida na aldeia: Saramago. (Cabe esclarecer que saramago é uma planta herbácea espontânea, cujas folhas, naqueles tempos, em épocas de carência, serviam como alimento na cozinha dos pobres). Só aos sete anos, quando tive de apresentar na escola primária um documento de identificação, é que se veio a saber que o meu nome completo era José de Sousa Saramago...

Fui bom aluno na escola primária: na segunda classe já escrevia sem erros de ortografia, e a terceira e quarta classes foram feitas em um só ano. Transitei depois para o liceu, onde permaneci dois anos, com notas excelentes no primeiro, bastante menos boas no segundo, mas estimado por colegas e professores, ao ponto de ser eleito (tinha então 12 anos...) tesoureiro da associação académica... Entretanto, meus pais haviam chegado à conclusão de que, por falta de meios, não poderiam continuar a manter-me no liceu. A única alternativa que se apresentava seria entrar para uma escola de ensino profissional, e assim se fez: durante cinco anos aprendi o ofício de serralheiro mecânico.

Mais tarde, a Biblioteca Municipal das Galveias foi a minha Universidade.

José Saramago
16 Nov, 2010

Algo vital

Apenas se nos pede o voto para homologar uma quantidade de coisas, em cuja definição não somos levados em conta. Apenas nos pedem o voto, não nos pedem que participemos. E a cada quatro anos vamos votar muito contentes, acreditando que estamos a fazer algo importante, mas o importante ocorreu nesses quatro anos. Com isto não estou a condenar os políticos, pois a política é algo vital e temos que exercê-la todos.José Saramago: ‘Podría haber seguido en Portugal, pero no aguanté”, Canarias7, Las Palmas de Gran Canaria, 20 de Fevereiro de 1994In José Saramago nas Suas Palavras

Eu sou uma pessoa pacífica, sem demagogia nem estratégia. Digo exactamente o que penso. E faço-o de forma simples, sem retórica. As pessoas que se reúnem para escutar-me sabem que, independentemente de coincidirem ou não com o que penso, sou honesto, que não trato de condicionar nem de convencer ninguém. Parece que a honestidade não se usa muito nos tempos actuais. Eles vêm, escutam e vão contentes como quem tem necessidade de um copo de água fresca e a encontra ali. Não tenho a mínima ideia do que vou dizer quando estou diante das pessoas. Mas digo sempre o que penso. Nunca ninguém poderá dizer que o enganei. As pessoas têm necessidade de que lhes falem com honestidade.José Saramago, 2003In José Saramago nas Suas Palavras

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