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Outros Cadernos de Saramago

Outros Cadernos de Saramago

22 Abr, 2013

Homem novo

Culturalmente, é mais fácil mobilizar os homens para a guerra que para a paz. Ao longo da história, a Humanidade sempre foi levada a considerar a guerra como o meio mais eficaz de resolução de conflitos, e sempre os que governaram se serviram dos breves intervalos de paz para a preparação das guerras futuras. Mas foi sempre em nome da paz que todas as guerras foram declaradas. É sempre para que amanhã vivam pacificamente os filhos que hoje são sacrificados os pais... Isto (...)
Isto a que chamam o meu estilo assenta na grande admiração e respeito que tenho pela língua que foi falada em Portugal nos séculos XVI e XVII. Abrimos os Sermões do Padre António Vieira e verificamos que há em tudo o que escreveu uma língua cheia de sabor e de ritmo, como se isso não fosse exterior à língua, mas lhe fosse intrínseco. Nós não sabemos ao certo como se falava na época, mas sabemos como se escrevia. A língua então era um fluxo ininterrupto. Admitindo que (...)
Acabo de ver nos noticiários da televisão manifestações de mulheres em todo o mundo e pergunto-me uma vez mais que desgraçado planeta é este em que ainda metade da população tem que sair à rua para reivindicar o que para todos já deveria ser óbvio... Chegam-me informações oficiais de solenes insituições que dizem que pelo mesmo trabalho a mulher cobra dezasseis por cento menos, e seguramente esta cifra está falseada para evitar a vergonha de uma diferença ainda (...)
14 Fev, 2013

Problemas de homens

Vejo nas sondagens que a violência contra as mulheres é o assunto número catorze nas preocupações dos espanhóis, apesar de que todos os meses se contem pelos dedos, e desgraçadamente faltam dedos, as mulheres assassinadas por aqueles que crêem ser seus donos. Vejo também que a sociedade, na publicidade institucional e em distintas iniciativas cívicas, assume, é certo que só pouco a pouco, que esta vio- lência é um problema dos homens e que os homens têm de resolver. De (...)
Não foi o santo que alguns louvavam nem o demónio que outros aborreciam, foi, ainda que não simplesmente, um homem. Chamou-se Álvaro Cunhal e o seu nome foi, durante anos, para muitos portugueses, sinónimo de uma certa esperança. Encarnou convicções a que guardou inabalável fidelidade, foi testemunha e agente dos tempos em que elas prosperaram, assistiu ao declínio dos conceitos, à dissolução dos juízos, à perversão das práticas. As memórias pessoais que se recusou a (...)
26 Dez, 2012

Dona Canô

Morreu Dona Canô, mãe de Caetano Veloso, Maria Bethânia e outros seis filhos. Era a matriarca de Santo Amaro. Dos Cadernos de Lanzarote, Diário IV, uma passagem não escrita por José Saramago mas sim por Pilar del Río, a pedido do Autor, contando a passagem por Santo Amaro, ao som de Caetano Veloso perante a presença de Dona Canô:   O dia terminou em Santo Amaro, onde, como diziam os autocolantes que as pessoas levavam e que conservamos, «vi e ouvi Caetano em Santo Amaro». (...)
A palavra de que eu gosto mais é não. Chega sempre um momento na nossa vida em que é necessário dizer não. O não é a única coisa efectivamente transformadora, que nega o status quo. Aquilo que é tende sempre a instalar-se, a beneficiar injustamente de um estatuto de autoridade. É o momento em que é necessário dizer não. A fatalidade do não - ou a nossa própria fatalidade - é que não há nenhum não que não se converta em sim. Ele é absorvido e temos que viver mais um (...)
22 Ago, 2012

Cão com lágrimas

22 de agosto de 1994 Pela primeira vez em tanto subir e descer de avião, pudemos ver, do alto, a casa. Com a família toda ausente, em férias, e Luis a trabalhar à hora a que chegámos, só tínhamos o Pepe a receber-nos. O pobre animal nem podia acreditar que estávamos ali. Saltava de um para outro, enroscava-se nos nossos braços, gemia de um modo quase humano, e diabos me levem se não eram lágrimas, das autênticas, o que víamos correr-lhe dos olhos. A este cão, com perdão da (...)
16 Ago, 2012

Salvar Badajoz

9 de fevereiro de 1995 Para a história da aviação. Em Badajoz foi hoje dado nome a uma rua. O motivo, a causa, o pretexto, a razão, ou como se quiser chamar-lhes, já têm mais de cinquenta anos, e muito fortes terão sido para sobreviverem aos olvidos acumulados de duas gerações, justificados estes, em geral, pelo facto de as pessoas terem mais em que pensar. Não direi eu que os habitantes de Badajoz levaram este meio século e picos a transmitir uns aos outros o certificado de (...)