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Outros Cadernos de Saramago

Outros Cadernos de Saramago

Não foi o santo que alguns louvavam nem o demónio que outros aborreciam, foi, ainda que não simplesmente, um homem. Chamou-se Álvaro Cunhal e o seu nome foi, durante anos, para muitos portugueses, sinónimo de uma certa esperança. Encarnou convicções a que guardou inabalável fidelidade, foi testemunha e agente dos tempos em que elas prosperaram, assistiu ao declínio dos conceitos, à dissolução dos juízos, à perversão das práticas. As memórias pessoais que se recusou a (...)
26 Dez, 2012

Dona Canô

Morreu Dona Canô, mãe de Caetano Veloso, Maria Bethânia e outros seis filhos. Era a matriarca de Santo Amaro. Dos Cadernos de Lanzarote, Diário IV, uma passagem não escrita por José Saramago mas sim por Pilar del Río, a pedido do Autor, contando a passagem por Santo Amaro, ao som de Caetano Veloso perante a presença de Dona Canô:   O dia terminou em Santo Amaro, onde, como diziam os autocolantes que as pessoas levavam e que conservamos, «vi e ouvi Caetano em Santo Amaro». (...)
A palavra de que eu gosto mais é não. Chega sempre um momento na nossa vida em que é necessário dizer não. O não é a única coisa efectivamente transformadora, que nega o status quo. Aquilo que é tende sempre a instalar-se, a beneficiar injustamente de um estatuto de autoridade. É o momento em que é necessário dizer não. A fatalidade do não - ou a nossa própria fatalidade - é que não há nenhum não que não se converta em sim. Ele é absorvido e temos que viver mais um (...)
22 Ago, 2012

Cão com lágrimas

22 de agosto de 1994 Pela primeira vez em tanto subir e descer de avião, pudemos ver, do alto, a casa. Com a família toda ausente, em férias, e Luis a trabalhar à hora a que chegámos, só tínhamos o Pepe a receber-nos. O pobre animal nem podia acreditar que estávamos ali. Saltava de um para outro, enroscava-se nos nossos braços, gemia de um modo quase humano, e diabos me levem se não eram lágrimas, das autênticas, o que víamos correr-lhe dos olhos. A este cão, com perdão da (...)
16 Ago, 2012

Salvar Badajoz

9 de fevereiro de 1995 Para a história da aviação. Em Badajoz foi hoje dado nome a uma rua. O motivo, a causa, o pretexto, a razão, ou como se quiser chamar-lhes, já têm mais de cinquenta anos, e muito fortes terão sido para sobreviverem aos olvidos acumulados de duas gerações, justificados estes, em geral, pelo facto de as pessoas terem mais em que pensar. Não direi eu que os habitantes de Badajoz levaram este meio século e picos a transmitir uns aos outros o certificado de (...)
De Saramago para Pepe, Greta e Camões. Os cães de Saramago são três. E os três, por essa ordem, tocaram um dia à sua porta. Cães que vieram corrigir um medo de infância na memória do escritor. Cães que, na realidade, são um único: o imaginário.   O cão é o melhor amigo do homem, Ensinaram-me isso nos tempos da velha instrução primária, com aulas de manhã e folga às quintas. O professor era um homem alto e calvo, grave na sua posição de diretor, mas amigo dos alunos (...)
28 Mai, 2012

Memórias de 1934

Encontro na Caminho algumas cartas de leitores que ainda não conhecem o meu endereço... Uma delas traz no remetente um apelido que me é familiar desde há mais de sessenta anos, desde 1934 precisamente, quando, tendo deixado o Liceu de Gil Vicente, comecei a frequentar a Escola Industrial de Afonso Domingues, donde sairia com o curso de serralheiro mecânico. Durante o tempo que ali andei, foi meu professor de Mecânica e de Matemática o engenheiro Jorge O’Neill, que, catorze (...)
16 Mai, 2012

Carlos Fuentes

Carlos Fuentes, criador da expressão “território de La Mancha”, uma fórmula feliz que passou a exprimir a diversidade e a complexidade das vivências existenciais e culturais que unem a Península Ibérica e a América do Sul, acaba de receber em Toledo o Prémio D. Quixote. O que se segue é a minha homenagem ao escritor, ao homem, ao amigo.O primeiro livro de Carlos Fuentes que li foi “Aura”. Embora não tenha voltado a ele, guardei até hoje (mais de quarenta anos passaram) a (...)
28 de agosto de 1997 Carlos Fuentes, o grande escritor mexicano, a quem admiro desde que, há muitos anos já, li esse livro fascinante que é Aura, passou ontem por Lanzarote. Veio com sua mulher, a jornalista Silvia Lemus, estiveram algumas horas (duas delas ocupadas por uma entrevista que dei a Silvia), e juntos visitámos a Fundação César Manrique. Ficou claro, logo desde o primeiro momento, que estávamos a colocar a primeira pedra de uma amizade que se consolidará (estou (...)
«Os desencontros e turbulências das relações entre Portugal e Brasil resultam provavelmente de um equí- voco. Meteu-se-nos na cabeça que estamos obrigados a unir-nos por um amor mais que perfeito, por uma com- preensão exemplar, por uma ligação espiritual sem par no universo. E que se não puder ser assim, então não vale a pena. Oscilamos portanto entre o tudo e o nada, como se andássemos a incubar desde há séculos uma paixão tem- pestuosa (em todo o caso mais sofrida do (...)