09 Jul, 2009
A risca do cabelo
Estávamos, o José Manuel Mendes e eu, a chorar sobre as incuráveis debilidades da pátria, neste costume de sermos, um para o outro, uma espécie de muro das lamentações, não de Jerusalém, mas do Bairro do Arco do Cego, quando, depois de darmos a volta ao espectro e aos espectros da política nacional e rematarmos a sorte com adequados comentários aos chifres (salvo seja) de Manuel Pinho, um pesado silêncio se instalou entre nós. Ainda pensei em lembrar que o Zeus de Miguel Ângelo, que em Roma está, também tem cornos, mas achei que seria misturar alhos com bugalhos e calei-me antes de abrir a boca. Suponho que em desespero de causa, só para romper o molesto silêncio que parecia querer esmagar-nos, o José Manuel Mendes fez uma observação, mais casual que verdadeiramente interessada, sobre o uso generalizado das expressões centro-direita e centro-esquerda e sobre a dificuldade para encontrar reais diferenças entre os partidos, grupos e pessoas que a si mesmos assim se definem e classificam. Foi então que se me apresentou a piada do dia, que em verdade já estava a tardar. Disse eu: “Meu caro Zé Manel, a política é como a risca do cabelo, umas vezes ao meio, outras vezes aos lados. Riscas mesmo ao lado da risca do meio denunciam curteza de vistas em quem as traçou. A vida política da nossa querida terra é toda assim: riscas do cabelo e miopias, miopias e riscas do cabelo. Só o penteado não muda.” Rimo-nos os dois e mudámos de assunto. Foi uma boa tarde de cavaco.