02 Jun, 2009
Marcos Ana
Há pessoas que parecem não pertencer ao mundo e ao tempo em que vivem. Marcos Ana é uma dessas pessoas. Como tantos da sua geração, arrastados às prisões do fascismo espanhol, sofreu o indizível no corpo e no espírito, escapou in extremis a duas condenações à morte, é, em todo o sentido, um sobrevivente. A prisão não pôde nada contra ele, e foram 23 os anos que esteve privado de liberdade. O livro que acabou de apresentar em Portugal é o relato simultaneamente objectivo e apaixonado desse tempo negro. O título das memórias, Diz-me como é uma árvore, não poderia ser mais significativo. Com o tempo, a dura realidade da prisão acaba por sobrepor-se à realidade exterior, diluindo-a numa imprecisa neblina que é preciso expulsar da mente em cada dia que passa para não se perder a segurança em si mesmo, por mais frágil que se torne. Marcos Ana não só se salvou a si mesmo, salvou também a muitos dos seus companheiros de cárcere, incutindo-lhes ânimo, solucionando problemas e conflitos, como um juiz de paz de nova espécie. Firme nas suas convicções políticas, mas sem permitir que o seu juízo crítico seja afectado, Marcos Ana transmite a quem quer que se aproxime dele um irreprimível sentimento de esperança, como se pensássemos: “Se ele é assim, eu também o posso ser”. Recuperada a liberdade, não ficou em casa a descansar. Voltou à luta política, com risco de ser novamente encarcerado, e deu início a um notável trabalho de assistência e ajuda àqueles que continuavam na prisão. Em Espanha, uns quantos amigos e admiradores da sua invulgar personalidade (o prémio Nobel Wola Soiynka é um deles) apresentámo-lo como candidato ao Prémio Príncipe de Astúrias da Concórdia. Nada seria mais justo. E mais necessário para mostrar ao povo espanhol que a memória histórica continua viva.